domingo, 3 de março de 2013

A "violação" dos direitos da criança em plena manifestação


Atualmente já pouca coisa me choca. Mas, ainda assim, nãoestou desprovido de sensibilidade. Hoje, enquanto assistia a reportagenstelevisivas sobre as manifestações, o meu filho de 12 anos chocou-se por havercrianças entre a multidão, “Pai, as pessoas levam os filhos para a manifestação?”,perguntou indignado.

Mais adiante, no fecho de um noticiário da TVI - estação que até fez das reportagens mais equilibradas e isentas -, uma criança certamentemais nova do que o meu confuso filho, servia para ilustrar o descontentamentoevidenciado durante o dia por todos os manifestantes. Dizia o miúdo, que usavaroupas aparentemente caras e se passeava pela manifestação de cartaz em punho: “Estou aqui porque há dois anos perdi aminha semanada por causa desta treta toda”, e adiantava “a culpa é destes tipos todos, o Passos, o Relvas, que roubamtoda a gente. Roubaram os meus pais e, por isso, os meus pais roubaram-me amim a semanada e disseram-me para vir para aqui protestar”.

Protestar não é, em si, mau. Protestar é legítimo esaudável. Não gostar dos cortes, da austeridade, das opções políticas é tãolegítimo como apoiá-las. Mas a perda completa de valores como os da liberdade,do pluralismo, da verdade e da democracia, evocando-os, não é nada bom sinal. Oque assisti durante a tarde pode ter sido um ato legítimo e genuíno de indignaçãode alguns, mas foi sobretudo um hino de hipocrisia política, de aproveitamentotorpe, de carneirismo e mesmo de mentira por parte de uma minoria manipuladora.

A utilização da imagem das crianças é chocante e mostra aperda total da consciência e das razões para o protesto. A sua exposiçãopública em atos políticos é deplorável. Os pais que o fizeram e permitiram sãoirresponsáveis e deveriam ser questionados sobre por que razão enfiaram comcrianças de tenra idade num local onde – supostamente – estavam centenas demilhares de pessoas em protesto e, logo, onde havia um potencial de violênciaque não era negligenciável – pelo menos é o que me diz a sensatez de pai.
Mas a minha estranheza não se fica pela questão da segurança.Os jornalistas que, salvo exceções, andaram algures entre o “jornalismo cidadão”e o “jornalismo de militância”, ajudando os entrevistados a dizer o que queriamtransmitir e se chegaram a confessar emocionados, deveriam, pelo menos nestamatéria, não ter perdido o sentido crítico e do bom senso em relação à idioticeque representou a utilização abusiva e indecente de crianças na manifestação.

Mas há outro aspeto nesta peça televisiva que me pareceimportante e que ilustra bem a demagogia, a hipocrisia e a mentira que, apropósito da dificuldade das pessoas, certos setores anarquistas e de extrema-esquerdapretendem vender nestes atos. A palavra “roubar” na boca de uma criança de seisou sete anos. “O Passos e o Relvasroubaram toda a gente e os meus pais roubam-me a mim”. Deixem-me, por isso,ironizar. Se os pais da criança a “roubam”, tanto quanto o Passos os “rouba” aeles, então tenho a certeza que Passos, quando faz mais um corte, o faz comamor. Pelo menos, com o amor de pai, do pai daquela criança, a quem “roubou” asemanada. Indo mais longe na minha ironia, diria ainda que a criança não estáapenas a ser roubada pelos seus pais, mas está também a ser enganada. É que hádois anos, quando o roubo foi perpetrado, não era Passos nem Relvas quegovernavam, mas José Sócrates e Pedro Silva Pereira. Ou seja, o “ladrão” do paida criança é também um mentiroso…

Deixando de lado a minha ironia, e sendo mais direto, o maisprovável de tudo foi termos assistido a uma encenação lamentável de um qualquercandidato a politicozeco que pretendeu fazer alpinismo às custas da crise, dasdificuldades dos outros e, até, às custas da imagem dos próprios filhos. Claro,com o altíssimo patrocínio de uma estação de televisão. E tudo isto écriminoso.

Termino perguntando: onde anda a Comissão de Proteção deCrianças e Jovens? É que este miúdo anda a ser violado, pelo menos metaforicamente falando. Mais do que o resto dopovo português, mas não é nem Passos nem Relvas que o andam a violar.

PS: originalmente este texto tinha em título apenas "violação" e não "violação dos direitos da criança" . Uma vez que quem não gostou do conteúdo do texto, não tendo outra forma de o contestar, se "agarrou" ao título para criticar, procedi à sua correção. Sobre tudo o resto mantenho a minha opinião e, mais do que isso, reforço-a, depois de ter percebido que, mesmo depois de o ter escrito, a única coisa que continua a motivar os comentários de alguns é a política mesquinha e nunca a utilização de uma criança para este efeito.

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